24/08/10 – MPF-SP ajuiza ação civil pública para que ANS seja obrigada
a regulamentar serviços obstétricos privados
Após três anos de debate, órgão entra na Justiça para conter o elevado
índice de cirurgias cesarianas no país; estudos mostram que o
procedimento oferece maiores riscos à mãe e ao feto, em comparação ao
parto normal
O Ministério Público Federal em São Paulo entrou com ação civil
pública para que a Justiça condene a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) a expedir, dentro de um prazo a ser definido, uma
regulamentação dos serviços obstétricos realizados por planos de saúde
privados no país. O objetivo é que a regulamentação leve a uma
diminuição ou evite a realização de cirurgias cesarianas
desnecessárias.
A regulamentação, a ser promovida pela ANS, deverá determinar às
operadoras de planos privados de assistência à saúde que forneçam a
seus beneficiários, a pedido destes e em prazo fixado pela própria
agência, os percentuais de cesarianas e partos normais executados
pelos obstetras e hospitais remunerados pela operadora no ano anterior
ao questionamento.
No documento, a ANS também deverá definir, segundo seus critérios
técnicos, um modelo de partograma e estabelecê-lo como documento
obrigatório a ser utilizado em todos os nascimentos, sendo esta a
condição para o recebimento da remuneração da operadora. Além disso, o
texto deve determinar a utilização do cartão da gestante como
documento obrigatório.
O MPF pede que a regulamentação a ser estabelecida obrigue as
operadoras e hospitais a credenciar e possibilitar a atuação dos
enfermeiros obstétricos no acompanhamento de trabalho de parto e do
parto propriamente dito.
A regulamentação ainda deve criar indicadores e notas de qualificação
para operadoras e hospitais específicos, visando à redução do número
de cesarianas e a adoção de práticas humanizadoras do nascimento. Por
fim, o documento deve estabelecer que a remuneração dos honorários
médicos a serem pagos pelas operadoras seja proporcional e
significativamente superior para o parto normal em relação a
cesariana, em valor a ser definido pela ANS.
A ação surge para proteger os direitos dos consumidores usuários de
planos de saúde privados e permitir que obtenham informação adequada
sobre a prestação de serviços médicos obstétricos, oferecendo, assim,
às mulheres gestantes e parturientes, melhores condições de nascimento
de seus filhos pela via do parto normal. Nessa situação, evita-se a
realização de cirurgias cesarianas contra a vontade da mãe ou sem que
haja uma indicação médica prévia para tal operação.
REPRESENTAÇÃO – A ação surge na esteira de um debate de mais de três
anos, quando o MPF instaurou a representação n.º
1.34.001.004458/2006-98, tendo como objetivo apurar as causas do
elevado número de cirurgias cesarianas realizadas na rede privada de
saúde, bem como obter medidas para reverter o quadro.
A tramitação da representação gerou um debate extenso junto aos
principais atores diretamente interessados na questão e permitiu
desenhar o panorama do parto na rede privada de saúde no país.
Dentre as conclusões a que o MPF chegou, está a que diz respeito às
elevadas taxas de cirurgia cesariana praticadas no setor privado de
saúde, consideradas acima do recomendado pela OMS e que não encontram
similar em qualquer outro lugar do mundo, segundo dados fornecidos
pela própria ANS.
Para o MPF, todos os estudos desenvolvidos sobre o tema levam concluir
que a realização de uma cirurgia cesariana implica em maiores riscos
de morte materna e de morte fetal, em comparação ao parto normal, além
de outras complicações. A opção pela realização da cirurgia
justifica-se unicamente se existirem outros riscos para o nascimento
por parto normal, que sejam maiores e mais graves que os gerados pela
cesárea.
Ao longo do trabalho investigativo, o MPF apurou, também, que o
problema da excessividade do número de cesáreas é reconhecido pelo
poder público, assim como por todos os demais setores envolvidos. No
entanto, nenhum órgão ou entidade compareceu aos autos, aos eventos e
a reuniões ou sequer apresentou documentos para defender a
legitimidade e o benefício em se manter a taxa de cesárea do setor
suplementar de saúde em 80% dos nascimentos.
Segundo apurado pelo MPF, as políticas até hoje adotadas para a
modificação desse quadro são exclusivamente voltadas para a promoção
de campanhas de esclarecimento a população, sem obtenção de
resultados. Levando-se em consideração o aumento das cesáreas ao longo
dos anos, o órgão aponta a ineficácia de todas as estratégias
existentes até o momento para lidar com o problema.
O MPF também constatou que as altas taxas de cesáreas existentes no
setor privado de saúde devem-se ao fato de que a maioria dos médicos
que realizam partos e é remunerada pelo plano de saúde não pratica
partos normais, devido a demora para a realização do procedimento
cirúrgico e ao fato de a remuneração para ambos os procedimentos ser a
mesma, tornando-se financeiramente interessante optar pela cesárea.
A partir de documento produzido pela ANS, observa-se também situações
em que a paciente se submete à cesárea por força da insegurança criada
na mãe pelo médico, que a convence de que o parto normal supostamente
oferece mais riscos.
Segundo os procuradores da República Luciana da Costa Pinto e Luiz
Costa, autores da ação, “o acompanhamento de um parto normal é
consideravelmente mais demorado do que a realização de uma cesárea.
Resta evidente, portanto, a desvantagem financeira do profissional que
se disponha a atender partos normais, recebendo por uma média de oito
horas de trabalho o mesmo que um colega que só faça cesáreas agendadas
que duram cerca de uma hora”.
ACP nº 0017488-30.2010.4.03.6100, distribuída à 24ª Vara Federal Cível
de São Paulo